Love, Drugs & Rock n' Roll - Capítulo VII

[Mia Roosevelt]
Eu e Thomas ainda estávamos na enfermaria, em silêncio. Olhei para ele, pensando no que tinha acabado de fazer. Tinha acabado de assinar um pacto com o Diabo, não o podia negar.
Sabia que deveria estar arrependida, e mesmo assim, não o estava. Não estava propriamente feliz por ter de andar enrolada com o rapazinho que me odiava, isso é certo. Mas havia algo que eu estava a adorar naquele plano.
- Porque é que me escolheste a mim? - perguntei. Ele sobressaltou-se ao ouvir a minha voz após tanto tempo em silêncio.
Ele pigarreou e desviou o olhar para a única janela daquela divisão.
- Bem, tu e ele têm claramente algo. - quando eu ergui as sobrancelhas, contendo um sorriso de felicidade por ouvir aquelas palavras, ele suspirou. - Bem, não propriamente. Mas qualquer um vê a milhas que o que quer que ele sinta por ti é forte.
- O que ele sente por mim?
Estava a adorar a conversa, apesar de não o deixar transparecer. Ninguém sabia da minha paixoneta, ou melhor, da minha paixão pelo Michael - o que queria dizer que não havia ninguém a meu lado para me alimentar esperanças. E sim, o alimentar de esperanças, por um lado era mau - esperanças trazem consigo sonhos e ilusões o que, por sua vez, trazem mágoas e desapontamento. Por outro, era bom. Quem não gosta de se sentir esperançoso uma única vez na vida?
- Não sei o que ele sente por ti. - explicou Thomas. Estava também a adorar o facto de o seu tom de voz não ter uma ponta de sarcasmo ou aborrecimento. Claro, ele não deixava de ser um parvalhão. Jamais seria capaz de me dar plenamente bem com alguém cujo principal interesse é fazer troça de terceiros e desconhecidos. Mas talvez aquele plano nos aproximasse, de modo a que conseguíssemos coexistir. Não tínhamos de gostar um do outro, mas conseguir ficar ao lado um do outro sem despoletar uma discussão, já seria agradável. - Mas às vezes parece que está apaixonado por ti. Tipo, o gajo protege-te, fala de ti o tempo todo, a maneira como olha para ti... Depois, outras vezes, não parece tanto. Como dizem as raparigas, ele está a mandar-te sinais confusos. A ti, e ao resto do mundo.
- E a Amy?
Thomas suspirou e olhou novamente para ti.
- Também não sei. Está a dar-se bastante bem com ela. Estão a aproximar-se bastante. E é mesmo por isso que quero a tua ajuda. Para ver se ele lhe dá espaço, para que possa ser eu a aproximar-me dela.
- Então deixa-me ver... Estavas a contar com os ciúmes da parte dele para que eles se afastassem, é isso?
- Pode-se dizer que sim.
- E se ele não gostar mesmo de mim? - refutei.
Thomas riu-se, levantou-se da bancada onde estava sentado e agachou-se à minha frente, de modo a que o seu rosto ficasse frente-a-frente com o meu. Reparei naquele momento que ele tinha uns olhos lindos. Pena que normalmente estivessem fechados, ou raiados de vermelho.
- O que é que ele costuma dizer que és para ele? - interrogou, segurando o meu rosto com as suas mãos.
- Uma irmã mais nova. - respondi, ignorando aquela intimidade toda.
- Certo. Imagina que eu me punha aos beijos com a irmãzinha dele. A Joan, ou lá o que é. O que é que ele faria?
Semicerrei os olhos.
- Chama-se Jane, para que conste. E tem apenas 13 anos.
- Mais outro motivo. - contra-argumentou. - O que é que ele faria caso me apanhasse a comê-la pelos cantos?
- Matava-te. - retorqui, secamente.
Ele abafou uma gargalhada.
- Vês? - perguntou retoricamente. Esboçou o que me pareceu ser um meio-sorriso. - Quando queres até és esperta. Por isso, se tu para ele és como uma irmã, mesmo que não estava perdido de amores por ti, vai-se sentir minimamente incomodado com isto.
Antes que algum de nós pudesse dizer algo, o seu telemóvel começou a tocar. Sem se demorar, pegou num telemóvel (um telemóvel que, a meu ver, era demasiado rasca para alguém que tinha tanto dinheiro como ele) e fez-me sinal para que esperasse um pouco.
- Sim?... Sim, sim, tenho-o... Onde estão?... Vou já para aí. É do bom?... Óptimo. Até já.
Desligou o telemóvel e fez-me sinal, dando-me palavra.
- Para onde vais? - perguntei, esquecendo por momentos a conversa. Algo no meu intimo me dizia que algo não estava certo. Além do mais, era Thomas que estava a falar. Por isso, a minha intuição só podia estar certa.
- Não te interessa. - respondeu violentamente, assemelhando-se novamente ao típico Thomas que conhecia. Ia dar-lhe uma resposta igualmente violenta, mas ele aproximou-se de mim. Vi-o acalmar-se de imediato e a esboçar um sorriso falso. Sabia que apenas me queria como sua aliada naquela missão, e que era por isso que tentava não estragar a... pseudo-amizade que criáramos naqueles últimos minutos. - Olha, tenho de ir. Depois digo-te qualquer coisa, sim?
E, dito isto, espantando-me como nunca antes alguém me espantara, agarrou na minha cabeça e encostou os seus lábios aos meus.
Observei-o de olhos arregalados, enquanto ele se dirigia para a porta da enfermaria descontraído, como se absolutamente nada de estranho se tivesse passado.
Só quando Thomas tocou na maçaneta, é que recuperei a fala. Tentei não deixar transparecer todo o meu nervosismo e a repulsa que sentia naquele momento, e não sei ao certo se fui bem sucedida ou não quando falei.
- Thomas? - ele virou-se para mim, fitando-me inexpressivamente. - Nós só fingimos que curtimos. Não curtimos mesmo.
Ele sorriu largamente.
- Eu sei disso.
Saiu da enfermaria fechando a porta. Soltei um longo suspiro, enquanto a culpa e o nojo me invadiam o espírito. Não deveria ter aceitado a sua proposta. Não de todo.
*
A enfermeira entrou momentos mais tarde.
 Olhou-me de alto abaixo minuciosamente, provavelmente à procura de alguma anomalia. Após uns segundos, sorriu-me com o típico sorriso de enfermeira.
- Pareces bem. - comentou com simpatia. - Mas sabes que não devias ter começado uma luta, não sabes?
- Sei. - assenti. - E juro que não me vai ver até ao final deste ano lectivo por causa de algum desentendimento com uma colega.
Ela deu umas quantas gargalhadas.
- Espero bem que sim. - ela dirigiu-se ao balcão e, de dentro de uns armários por baixo dele, retirou uma garrafa de água. Atirou-ma e eu apanhei-a sem dificuldades. - Ah, a Directora quer ver-te. Se eu fosse a ti despachava-te. Sabes o caminho para o gabinete?
Assenti com a cabeça. Abri a garrafa e bebi uns quantos goles, tentando esquecer o nervosismo e o medo que aquela frase tinha suscitado em mim. Nunca tinha ido ao gabinete da directora. Nem sequer para entregar os meus quadros. Quando o fazia, bastava-me dirigir à secretaria ou, em último caso, ao conselho executivo. A própria apreciação da directora relativamente aos quadros era-me entregue por escrito, através de um email ou de uma carta. Ela nunca tinha sentido necessidade de me falar, o que queria dizer que o que quer que estivesse para vir não podia ser bom para os meus lados.
Levantei-me, inspirei fundo e saí da enfermaria, sem sequer dizer mais nada à senhora enfermeira. 
Andava rapidamente, movida a medo e a vergonha. Tinha sempre o olhar fito do chão, evitando com que alguém me conseguisse ver o rosto. Se bem sabia como aquela escola funcionava, já todos deveriam ter conhecimento daquele conflito. E, visto que era o conflito entre uma nova aluna que por acaso era gótica e a rapariga que apenas lá estava "por favor", a probezinha, devia ser algo bastante debatido nos corredores.
Eu não era pobre. Nunca fui pobre, para que conste. A questão é que, quando estamos rodeados de filhos de pessoas milionárias, uma pessoa que viva bem é considerada pobre. É certo que os meus pais não tinham possibilidade de me pagar os estudos naquela escola, mas muitos poucos a tinham. Os meus pais ganhavam o suficiente para sustentar a nossa pequena família e ainda nos sobrava para pequenos caprichos e extravagâncias. Como eu digo, vivia bem e odiava por completo que olhassem para mim com pena, como se eu fosse realmente um membro de uma família com dificuldades económicas.
Fui acordada das minhas divagações quando senti uma mão a rodear-me o braço. Olhei para a rapariga loira que me observava preocupada e sorri, antes de a abraçar.
- Ava! - gritei, histericamente. Afastei-me dela, apenas o suficiente para olhar para os seus lindos olhos verdes. - Há tanto tempo!
- Demasiado. - respondeu ela, sorrindo de modo dócil. - Sabes o que é: preparar-me para os testes, os ensaios de ballet e os horários incompatíveis... Temos mesmo de combinar alguma coisa.
- Mesmo. - concordei. Deixei soltar um suspiro. - Olha, desculpa mas não posso falar agora. Tenho de ir para o gabinete da directora.
Ava fez uma expressão preocupada.
- Já soube o que aconteceu. Bem, de facto, toda a escola sabe. Uma gótica não passa lá muito despercebida por estas bandas, em especial quando se trata do seu primeiro dia. - olhou para mim e suspirou. - Porque raio armaste confusão com ela?
- Por coisas estúpidas, a sério. - retorqui, sem querer reviver aquilo tudo.
- Quando a vi entrar na sala, pensei que logo que tu a ias venerar. Tu que és doidinha por freaks como góticos e emos... Não pensei que fosses começar confusões e agredi-la.
Arqueei ambas as sobrancelhas.
- Quando a viste entrar na sala? - interroguei.
Ela deu uma gargalhada meio-histérica e deu uma estalada na sua própria testa.
- Sou tão esquecida, meu! - excalmou. - Ela é da minha turma. Ia-me esquecendo de te dizer isso.
Olhei para ela espantada, enquanto franzia a testa.
- A sério? Aquela miúda está em Artes? - comecei a rir-me. - O que raio ela desenha? Cruzes e lápides?
- Na verdade, - disse ela, bastante rápido. - ela tem imenso jeito. Deve ser, tipo, das melhores alunas de artes que alguma vez vi. Isto é, não chega aos teus calcanhares, what so ever.
- Oh. Não estava à espera disso.
Ela sorriu. Olhou para o relógio espantada.
- Bem, tenho de ir. História da arte em dois minutos.
Fiquei espantada a olhar para a sua expressão. Parecia quase contente por ter aquela aula. E aquela aula era a mais secante que existia, por muito que dissessem o contrário. Em especial quando o professor era o meu. Bah.
- Quem é o teu professor? - perguntei.
- O professor Hawthorne. - respondeu ela rapidamente, com um ar sonhador. Sorri-lhe também, percebendo o porquê do seu entusiasmo. O professor Hawthorne era capaz de ser o professor mais simpático (e giro) daquele colégio. Tinha 20 e tais anos, perto dos 30, e por isso "entendia-nos" melhor. Nunca tinha tido aulas com ele, mas ele já dera aulas de substituição à minha turma uma vez, e aquela aula ficara na memória de todos como a aula mais curtida de sempre. E claro, um rosto angelical como aquele não sai da cabeça de nenhuma rapariga.
Todos os anos, havia sempre alguma colega minha que revelava ter uma grande paixão por ele. Era quase uma tradição, como a tradição de aparecer pelo menos um aluno novo que deixava os do sexo opostos babados (que neste ano, aparentemente, era Amy) ou a tradição de um aluno de 20's se meter em maus caminhos.
- Então, vá, vai para a aula, miúda. - disse-lhe eu, piscando-lhe o olho. - Depois combinamos algo.
Ela abraçou-me e sem dizer mais nada correu pelos corredores afora. Segui-lhe o exemplo e fui rapidamente para o gabinete da professora Pimkee.
*
[Thomas Sidhe]
Saí da escola sem dificuldades. O porteiro nunca estava no seu lugar, ou a exercer a sua função, pelo que, mesmo em tempo de aulas, em conseguia ir facilmente para a rua. Mal sabia a minha mãe que o dinheiro que ela pagava todos os meses estava a ser mal empregue com funcionários como aquele homem de barriga grande e barba comprida que ia engatar a senhora da cantina no seu horário de trabalho.
Não me queixava. Ao menos não tinha de dar justificações nem de apresentar autorizações ou alguma merda do género para sair.
Andei num passo acelerado, tendo o cuidado de olhar para trás de vez em quando. Sabia que a Mia era bastante teimosa e irritante (bolas, nem sei como é que a tolerava. A sua sorte era ser girinha.) e, mesmo não se preocupando verdadeiramente comigo, podia muito bem ir a correr atrás de mim e dar-me um daqueles discursos cheios de moral. E não o queria. Uma coisa era andar a beijar uma miúda, outra cena completamente diferente era ter de ouvir o que ela dizia. Não tinha paciência para isso.
Em poucos minutos, cheguei ao ponto de encontro. Recordava-me de como na primeira vez me sentira enojado ao chegar perto daquele beco escuro e deserto, onde para além de caixotes de lixo deitados no chão e baratas e ratazanas a passarinharem de um lado apenas havia um único homem vestido de negro, que fazia sempre tenção de usar uma máscara na cara. Claro, ao fim de umas quantas idas, já nem me incomodava com as pragas, e já tinha perdido a curiosidade de ver o rosto por detrás da máscara. O que me interessava eram os nossos negócios, não o ambiente do local.
- T.,  que prazer ver-te. - disse o homem alto e encorpado. Nunca lhe dissera o meu nome por questões de segurança, do mesmo modo que também desconhecia o seu nome. Do mesmo modo que ele me tratava por T. eu tratava-o por Z.
- Deixa-te disso. - disse rapidamente. Agora que estava tão perto, queria-o ter nas mãos assim que pudesse. - Tens as cenas?
- Sempre. - disse Z. Mesmo sem o ver, soube que ele estava a sorrir. - E é da melhor qualidade, puto.
- Óptimo. - retorqui, esticando as mãos. - Passa-mo cá.
Ele esticou um dedo e abanou-o de modo eloquente.
- Não, não, não, meu caro. - disse ele, numa voz inflexível. - Já sabes como é. Primeiro a massa, depois o material.
Suspirei, revirei os olhos e retirei a minha carteira do bolso de trás. Retirei umas quantas notas e passei-as para as suas mãos, também elas cobertas com umas luvas negras.
Vi-o, enquanto ele contava o dinheiro e dava umas quantas gargalhadas.
- Dá para seres mais rápido? - perguntei, impaciente. Precisava daquilo, naquele momento. Z fez-me sinal para que tivesse calma.
Após guardar o dinheiro num dos bolsos, passou-me um saco com um pó branco. Sorri quando lhe pus a mão em cima e o guardei no bolso do blazer que constituía o uniforme do colégio. O meu, como eu próprio chamava, "pó de fada". Já estava mesmo a precisar de uma dose daquelas.
- Queres encomendar, T? - questionou Z, quando estava prestes a sair do beco. Olhei por cima dos ombros, para me certificar de que ninguém nos observava.
- Por agora, não.
- Tens a certeza? Sabes que mais? Acho que podes ainda experimentar muitas coisas para além disso. - apontou para o meu bolso. - Diz-me, já alguma vez experimentaste... comprimidos?
Dei uma gargalhada e revirei os olhos.
- Dude, o que queres dizer com isso?
- Tu sabes... Ecstasy e assim.
- Meu, qualquer um sabe que isso é das cenas mais fracas que se pode arranjar. Eu fico-me bem com a cocaína.
- Sim, mas... Não achas que os comprimidos passam muito mais despercebidos no teu colégiozinho do que um saco de "açúcar em pó"? - fez questão de fazer aspas no ar, dando ênfase à sua frase.
Pensei um pouco. Fazia um certo sentido. Poderia tomá-los a qualquer altura, em qualquer lado sem que ninguém desconfiasse.
- OK. - acabei por responder. - Depois digo-te algo.
Ele acenou-me, enquanto eu abandonava o local.
Sorri quando estava longe do beco, e entreolhei para o saco no meu bolso. Não era cedo, nem era tarde. Era agora que ia ter o meu próprio momento.
*
[Ava Prescott]
Quando cheguei à sala de aula, já todos estavam presentes. Excepto Lisa. Provavelmente, pensei, estava com a Mia no gabinete da directora. Óptima maneira de começar as aulas num sítio novo.
O stôr sorriu-me quando lhe acenei e me sentei ao lado de uma rapariga qualquer. Não pude deixar de notar que ela estava literalmente a babar-se enquanto olhava para o professor Hawthorne. Revirei os olhos. Ter uma paixoneta por um professor era algo tão... Idiota. Está bem que ele era lindo: alto de ombros largos (tal como eu gostava), moreno, com uns olhos claros super-lindíssimos, umas feições dignas de um protagonista de um romance... Ah, e claro. Ainda havia o facto de ele ter um certo... charme. E um óptimo sentido de humor. E uma maneira para nos cativar absolutamente incrível. Entre outras coisas. Mas tinha 28 ou 29 anos - era tipo, repugnante pensar nalguma pessoa da minha turma ao seu lado.
Pigarreei, chamando a atenção dela. Ela sobressaltou-se e apressou-se  a limpar a baba que estava no seu queixo com as costas da mão.
- Não faz mal. - sorri-lhe. - Ninguém viu.
Ela sorriu-me de volta, embaraçada, enquanto olhava para a frente, de modo a ouvir o professor que tinha agora começado a aula.
Já tinha mencionado que ele também tinha uma voz de anjo?
*
[Mia Roosevelt]
Inspirei fundo e abri a porta. A professora Pimkee estava sentada atrás de uma secretária de mogno escuro, que dava um ar bastante severo à sala. De facto, toda a sala impugnava severidade e responsabilidade - os ideais do colégio. O chão era alcatifado e, à semelhança dos pesados e grandes cortinados de veludo, era de um vermelho bastante escuro. Todos os móveis - desde as cadeiras às prateleiras que ostentavam imensos dossiers e livros de variados tipos - eram negros, ou de um castanho bastante escuro.
Não pude deixar de reparar no quão bem a irmã de Amy se parecia enquadrar naquela imagem, sentada numa das duas cadeiras colocadas à frente da secretária. Os seus lábios negros, que se contorceram numa espécie de sorriso sarcástico quando me encarou, pareciam fundir-se com a madeira da prateleira colocada por detrás dele. Até as suas madeixas pareciam ter sido pintadas propositadamente para se enquadrarem num ambiente daqueles.
Engoli o comentário que estive prestes a fazer e sentei-me na outra cadeira.
Os olhos castanhos da directora examinaram-me durante uns longos minutos, antes de soltar um suspiro.
- Mia, Mia, Mia... - disse ela. - Sempre foi tão boa aluna e tão boa rapariga. A única bolseira deste colégio, a melhor aluna na área de artes, com uma média de 19.8, considerada pelos professores a mais responsável e altruísta... Tem bem noção da gravidade do que aconteceu? Sabe que isto poderia ter ficado nos seus registos permanentes, não sabe?
Assenti com a cabeça, sem ser capaz de falar.
- Sabe que em casos como este, a menina seria expulsa de qualquer outro colégio deste calibre?
Assenti novamente. Sentia os meus olhos a arder. Não podia perder aquela bolsa. O que diriam os mais? Que outra oportunidade do género teria eu?
- Felizmente para si, - prosseguiu a directora. - a menina Abott tomou a responsabilidade de me explicar tudo. Ao que parece, a Mia estava preocupada com ela e foi ela quem gritou consigo, é assim?
Assenti com a cabeça, ainda que estivesse espantada. A gótica tinha admitido?
-Por outro lado, também a Lisa me disse que foi a Amy quem partiu para a violência em primeiro lugar. É verdade?
- Sim, senhora directora. - respondi, suspirando.
A directora Pimkee examinou-nos durante uns segundos, antes de se recostar na cadeira.
- Em situações normais, o procedimento normal seria suspender ambas as partes envolvidas no conflito. - anunciou. - Porém, tendo em conta que é a primeira vez que recebo alguma queixa de si, senhorita Roosevelt, e visto que é o seu primeiro dia, senhorita Abott, vou permitir que escapem apenas com uma repreensão. - Olhou para nós seriamente. - O que aconteceu esta manhã foi uma vergonha. Não só pode muito bem ter manchado a vossa reputação enquanto estudantes, como é uma vergonha para o Colégio Privado de Lillegard. Por isso, para a próxima vez, tentam resolver os vossos conflitos com palavras. A violência de nada serve, como espero que tenham aprendido com esta situação. Estão dispensadas.
- Sim, directora. - retorqui ao mesmo tempo que Lisa.
Levantá-mo-nos também ao mesmo tempo.
- Ah. Espero que isto não se repita, Mia. E espero que isto não seja um presságio sobre a sua vida escolar, Lisa.
Nós assentimos com a cabeça e saímos do gabinete. Suspirei de alívio assim que cheguei lá fora, e perguntei-me a mim mesma se os meus pais teriam tido conhecimento do sucedido. Se eles soubessem, o que era mais provável, também não teria tantos motivos para estar assim tão aliviada.
- Ham... Mia, não é? - perguntou Lisa.
- Sim, é o meu nome. - respondi, inexpressivamente.
- Eu queria pedir-te... Desculpa, ou uma cena assim. - disse ela. - Não sei se a Amy te disse ou não, mas tenho problemas nervosos e... Pode-se dizer que estava nervosa por estar a começar num sítio novo.
Arqueei ambas as sobrancelhas. Ela estava a falar a sério? Assim sendo, ela também não deveria ter ficado muito bem depois da nossa discussão. Já tinha conhecido várias pessoas com problemas nervosos, e estas ficavam sempre mal após algum conflito.
- Não faz mal. - respondi, esboçando-lhe um sorriso. - Eu também te peço desculpa. E... não tenho nada contra os góticos.
Ela não me respondeu ao sorriso. Apenas arqueou uma sobrancelha.
- Desculpas aceites. Mas isto não quer dizer que sejamos BFF's, ok?
- Oh. - murmurei, desfazendo o sorriso e desviando o olhar.
Michael e Amy surgiram ao fundo do corredor. Amy, mal viu a sua irmã, desatou a correr para Lisa. Michael fez o mesmo, e correu na minha direcção.
- Estás bem? - perguntou-me, segurando o meu rosto nas suas mãos. Via-se que estava preocupado. - O que raio se passou pela tua cabeça para começares a lutar com alguém?
Abri a boca para responder, mas ele cortou-me a palavra.
- Tens bem noção de que podias ter perdido a bolsa?
- Sim, eu sei e...
- E se eu não tivesse aparecido? Já pensaste que poderias ter ido para o hospital? Além do mais, tu mal conheces a rapariga.
Suspirei.
- Mas eu estou bem e não fui para nenhum hospital.
Ele sorriu e abraçou-me.
- Ainda bem. - murmurou-me aos ouvidos. - Mas nunca mais te metas em nenhuma confusão.
Assenti com a cabeça.
Olhei por cima do ombro de Michael para a Amy, que falava com a sua irmã. Senti um nó no estômago ao lembrar-me do plano de Thomas. Afastei-me rapidamente do Michael, que olhou para mim espantado.
- Desculpa, eu... - murmurei. Eu estou a fingir que curto com o gajo que mais odeio no mundo apenas para te atingir a ti e à Amy. Suspirei. - Sabes do Thomas?
Ele abanou a cabeça, ainda mais espantado por perguntar por ele.
- Ele disse-me que ia ficar contigo. - respondeu. - O que de certo modo me espantou.
- Sim, ele estava comigo. - confirmei, ainda que desejasse que ele não tivesse lá estado e que eu não tivesse concordado com nada. - Mas depois atendeu um telefonema e disse que se ia embora.
O rosto de Michael endureceu, enquanto ele abanava a cabeça.
- Não posso. Ele tinha-me prometido que ia parar.
- Parar com o quê? - Lisa e Amy tinham-se aproximado de nós, e a mais velha tinha falado.
- Drogas. - respondi pelo Michael, percebendo o seu raciocínio. - O Thomas é toxicodependente.
Lisa esboçou um sorriso.
- E eu que pensava que isto era uma escola de betos.
*
[Ava Prescott]
A campainha tocou, indicando o fim da aula. Todos saíram, enquanto eu ainda arrumava a mala. Tinha um certo talento para me demorar a arrumar as coisas.
- Ava, posso falar contigo? - perguntou o professor Hawthorne, enquanto apagava o que estava escrito no quadro.
- Sim, claro. - respondi, sorrindo. Fechei a mochila, pu-la às costas e aproximei-me dele, sentando-me em cima de uma das carteiras da primeira fila. Se fosse numa aula qualquer, não faria aquilo. Mas ali não me preocupava com aquilo: o próprio professor Hawthorne fazia o mesmo.
- Ora, - disse ele, virando-se para mim. - eu entreguei os últimos testes que fizemos ao resto da turma, logo no início da aula.
Semicerrei os olhos.
- Mas eu não recebi nada. O stôr entregou-o a alguém? - interroguei.
- Não. Queria falar pessoalmente contigo sobre a nota. - respondeu. O seu rosto tornou-se sério e pressenti que havia algo de errado. - Estava à espera de um melhor resultado da tua parte, Ava.
Engoli em seco. Não podia baixar a nota. Tinha sempre 20's a História da Arte. Seria uma vergonha estragar a minha média. A minha mãe tirar-me-ia do ballet se eu baixasse alguma nota.
O professor dirigiu-se à sua secretária, fazendo sinal para que o acompanhasse. Ele entregou-me o teste, ainda com um semblante sério. Respirei fundo antes de olhar para a nota.
19,6.
Suspirei de alívio e vi o professor rir-se.
- O stôr já me tinha assustado! - exclamei, olhando para a nota.
- Bem, eu não tinha dito que tinhas tido má nota. - retorquiu. - Apenas disse que esperava melhor nota. E esperava. Já sabes que da tua parte espero sempre o 20.
- Eu sei. - respondi. - Mas isto não me estraga a média... Estraga?
Ele deu mais umas quantas gargalhadas.
- Não, claro que não. - respondeu. Olhou-me directamente para os olhos. - Mas não era bem disso que eu queria falar contigo.
Franzi a testa.
- Então, de que queria falar?
Ele sentou-se na sua cadeira e examinou-me com atenção antes de me responder.
- De ti. - respondeu, espantando-me. - Queria saber como estás. Ultimamente pareces tão ausente nas minhas aulas. Passa-se alguma coisa? Problemas com os teus amigos, ou com a tua família?
- Não, não. - sorri aliviada. - E peço desculpa se tenho andado distraída. É que eu ando no ballet e agora andamos a preparar uns espectáculos. Então passo a vida a pensar nisso.
O professor arqueou as sobrancelhas e sorriu.
- Ballet? - perguntou. - Sim senhora. É uma actividade bastante saudável, e é bastante bonito. Ainda assim, tens de saber separar a tua vida escolar da tua vida artística. Quando estás fora da escola, podes pensar em pliés e sauts d'ange à vontade. Aqui dentro, preocupas-te com as tuas notas, sim? É o que faço. Eu sou vocalista de uma banda, sabes? Mas quando estou aqui, não passo de um professor.
- De facto, - respondi, espantada. - não sabia. Que tipo de banda?
Ele riu-se.
- Uma não muito boa, para ter um vocalista como eu.
Desta vez, fui eu a rir-me.
- Vá lá, stôr. Não deve ser assim tão má. Talvez só um bocadinho. - sorri-lhe, fazendo um gesto com os dedos. - Mas que tipo de música tocam?
Ele sorriu.
- Ora, não sei será o teu estilo. Varia entre o pop-rock e o punk-rock.
Fingi-me ofendida.
- Stôr, isso são os estereótipos que se formam na cabeça das pessoas. - respondi, num tom de falsa indignação. - Lá por eu gostar de ballet, não quer dizer que eu só oiça música clássica. Gosto bastante de rock, para sua informação.
Foi a sua vez de parecer espantado.
- A sério? - perguntou, de sobrancelhas erguidas. - De todas, qual é a tua banda favorita?
Não tive de pensar muito.
- White Stripes. - respondi. Perante o olhar curioso do professor Hawthorne, continuei. - Eu sei que não é uma banda muito pesada, mas adoro. A "Seven Nation Army" é a minha favorita.
- Jura? Também a minha. - respondeu, rindo-se. Ficou a olhar para mim em silêncio, durante uns momentos. - Sabes que mais? Nós costumamos actuar no "Carter's Way", todas as sextas. Se quiseres assistir à actuação depois de amanhã, aparece lá por volta das 21h. O que me dizes?
Perder a oportunidade de ouvir o professor com o ar mais angelical de um colégio privado cantar músicas punk? Nunca. Aquilo seria uma antítese viva.
- Conte comigo.

1 facetas:

ThatWooGirl disse...

E tu que não falasses dos White Stripes sem falar da "Seven Nation Army" ahaha xD