Love, Drugs & Rock n' Roll - Capítulo VIII


[ Ava Prescott]
Fiquei a observar o professor Hawthorne enquanto arrumava os seus livros, coisa que eu ainda não percebo porque temos de comprar a esta disciplina, já que nenhuma aula é seguida através dos manuais.
Por vezes penso que as pessoas nascem com o destino tão bem delineado que se torna quase impossível imagina-las noutras situações, exemplo disso é o meu professor de H.A, ele gosta do que faz e por isso fá-lo bem, esse é o seu destino, ensinar aos outros aquilo que sabe. Como era possível imaginar Sid Hawthorne num talho a cortar carne, ou como vendedor imobiliário? É um pensamento repudiável quase inaceitável.
O meu pensamento foi invadido com um êxtase radiante que eu bem conheço, o raio de luz, o maldito raio de luz que incidiu na pele morena da face, todos os ângulos do seu rosto foram pintados com o dourado habitual do pôr-do-sol, os seus olhos verdes pareciam agora pedras preciosas, os lábios mostravam-se canudos e o seu cabelo parecia feito de ouro, se alguma vez pensei que ele se assemelhava a um anjo esse momento era aquele, era como estar diante de algo inatingível, uma miragem.
Penso que nesse momento a minha percepção da consciência estava turva de tal modo que já não sabia distinguir se aquilo que via era realmente verdade.
Foi assim que Sid e os seus olhos entraram na minha cabeça e como parasitas alojaram-se lá sem permissão. 

[Mia Roosevelt]
O dia tinha sido extenuante, nesse momento até pensar me cansava. Tinha demasiada informação a processar num relativo curto espaço de tempo, o que eu precisava era de ir dormir.
Bem, o que eu precisava mesmo, mesmo era de um cigarrinho, só mais um para aliviar o stress, com a ajuda dele, metade do peso que trazia às costas iam com o fumo expirado, para longe de mim. As pessoas bem criticam que fumar mata e que causa cancros, sim isso é verdade, mas também é verdade que as ajuda a sentirem-se melhor e o que eu quero é o bem-estar social…
O meu debate interior sobre os benefícios e malefícios do tabaco foi interrompido pela Ava que acabava de sair de dentro de uma das salas seguida por Hawthorne, coisa que me espantou. Já tinha tocado há cerca de vinte minutos para a saída e agora o corredor encontrava-se vazio, desprovido de snobes e pessoas irritantes que a única coisa bem feita que fazem é poluição sonora e mesmo assim não é útil para a sociedade.
Um pensamento ocorreu-me na mente como um flash de uma câmara. Será que a Ava está ter algum tipo de relacionamento com o professor? Este pensamento fez-me corar de vergonha. Como se fosse possível a Ava o fazer… Ela é uma pessoa bastante responsável. Nunca iria por as suas notas e a sua carreira em risco, para não falar do emprego que Sid iria perder. Sim, era verdade que ele era giro e que se quisesse punha qualquer rapariga caidinha por ele mas eu sei muito bem que a Ava por muito apaixonada que esteja sabe separar o trigo do joio.
- Mia! – chamou Ava. A sua habitual alegria e descontracção, tinham sido substituídos visivelmente por tristeza e tensão. – Espera por mim! Saio contigo. – Virou-se para o professor e quase que se lhe podia ver uma nova ruga a nascer na testa. – Boa tarde, então!
Sid Hawthorne sorriu e Ava pareceu estremecer:
- Pensa então bem, se queres ir ao meu concerto… Devo avisar-te que vais perder uma grande humilhação minha… - e soltou uma gargalhada, não retribuída pela minha amiga. E dirigiu-se para a saída.
Ava suspirou de alívio. Algo não estava bem com ela, era tão estranho vê-la tensa, isso conferia-lhe o aspecto da típica adulta que vive em redor do seustress.
- Está tudo bem? Parece que viste um fantasma…
- Sim, obrigada. – ela fechou os olhos e esboçou um sorriso ternurento, sorriso esse que se não a conhecesse tão bem diria que era verdadeiro, mas eu sabia que se passava algo…
- Não me queres contar o que se passa? Eu posso ajudar-te!
Ava baixara a cabeça passado um momento expirou e disse:
- E que tal se fossemos lanchar? Pago eu, como recompensa por nunca mais te ter ligado para sairmos. – e agora sabia que aquele sorriso engraçado e tão típico de Ava voltara . Agora sim, estava animada. – Já sei onde vamos!
- Ok! ‘Bora lá…
Puxei um cigarro da caixa e procurei no meio das minhas tralhas o isqueiro. É tão difícil encontrar o que queremos, quando precisamos disso… Quantas vezes hoje, já tinha visto o isqueiro? Talvez todas em que abri a mala… Depois de muito procurar desisti e numa réstia de esperança perguntei a Ava se ela por acaso tinha um. Para meu grande espanto tinha, era um isqueiro antigo, largo e de metal que brilhava radiante à luz do pôr-do-sol. Tinha gravado no meio de uma das faces as iniciais P.L. Admira-me que ainda tenha gás, mas a verdade é que a minha amiga não fuma por isso, não deve costumar usá-lo.
- Era de um amigo do meu pai. Patrick Light. – de repente fiquei confusa, mas apercebi-me de que falava do isqueiro. Esboçou um pequeno sorriso de satisfação – Morreu. Era um grande amigo meu, com ele aprendi muito do que sei hoje.
Acendi o meu cigarro e estendi-lhe um e para minha grande surpresa ela aceitou-o.
Não me atrevi sequer a abrir a boca sabia que ela queria aquele momento de silêncio por isso limitei-me a focar as condições das casas.
Ava Prescott não falou mais durante o caminho pelas ruelas húmidas e sombrias da cidade. Colara o seu olhar no que restava das pedras da calçada, e daí não o tirou até chegarmos a uma porta com o dístico de Avillium.  Cheirava a mijo de gato e a batatas podres, algo repugnante.
Ava abriu a porta e um bafo a café e chá inundou o nosso caminho. Era um bar clássico com sofás em vez de bancos e com mesas pequenas. A iluminação não era muita, apenas a necessária para conseguir ler. Existia um piano e um homem já idoso a tocar nele com tanto empenho que emocionava. O balcão era na parede oposta á porta e era preto. Tinha frascos de vidros com folhas lá dentro, o que eu supôs ser chá. Não havia muitas pessoas no café mas a maior parte tinham já uma certa idade e estavam sozinhas, nenhuma acompanhada. Uns tomavam um café e comiam torradas enquanto liam um livro. Outros tomavam chá em chávenas delicadas com bules à sua frente, comiam bolachinhas e pareciam mover-se ao som da música.
Tudo naquele café parecia funcionar em relação a um determinado padrão.
Quando entramos as pessoas desviaram o seu olhar para nós. Olharam para Ava com um certo desprezo e súbito focaram-me como se fosse um animal de circo, mas não demoraram muito a voltarem às suas actividades. Começava a desconfiar se eles não seriam autómatos.
Ava não se enquadrava de modo algum àquele sítio, era estranho ver aquela rapariga tão animada num sítio daqueles.
Uma senhora também visivelmente de uma certa idade apareceu detrás de uma porta ao lado do balcão.
- Ava, minha querida! Já não aparecias aqui há muito tempo…- os seus pequenos olhos azuis brilhavam naquela escuridão. Tinha um sorriso lindo e até as rugas pareciam combinar com a sua cara. Tinha um cabelo liso muito comprido que esvoaçava enquanto se aproximava de nós. Era alta, mais alta que eu, e não combinava nada com a voz doce e meiga que tinha – Tínhamos muitas saudades tuas. Agora com a escola não apareces cá muito… - esta senhora parecia ter vinte anos num corpo de sessenta, fazia mil e uma perguntas e com ânimo. E no fim olhou para mim e esboçou um sorriso muito meigo – e quem é a tua amiga? É muito bonita!
- Tenha calma Albertine… - Ava tinha voltado á sua cara habitual, sorridente e amorosa – Também já tinha muitas saudades vossas. Não tenho cá vindo porque não tenho tido tempo. É a Mia e é muito simpática – e fazes o gesto de apresentação típico – Mia esta é Albertine. Albertine esta é Mia.
Albertine sorriu-me e cumprimentou-me. Cheirava a flores frescas e a sua pele era muito macia.
- Albertine, peço imensa desculpa, mas não vamos comer aqui. Gostava muito que nos fizesse umas sandes e um sumo, como só você sabe fazer, para levarmos. – Ava falava depressa e com lividez.
- Claro, meu doce. Espera só um bocadinho, que já volto! – Albertine afastou-se e entrou na porta de onde saiu.
A minha amiga olhou para mim e perguntou:
- O que achas disto?
- É bonito e o sítio perfeito para se estar quando não se quer ser incomodado, mas os clientes parecem robots.
- Eles são simpáticos e amistosos, mas tentam sempre demonstrar indiferença.
Albertine apareceu na porta com um saco de papel que deveria conter as sandes e dois copos do suposto sumo. Ava pagou e despediu-se dela com um abraço gigante.
-Prazer em conhecer-te Mia! Volta sempre.
Despedimo-nos e saímos para as ruelas por onde viemos.
Ava e eu embrenhámo-nos numa discussão sobre que tipo de tinta seria melhor para pintar. Pastel ou óleo. Óbvio que eu defendia que o óleo era o melhor. Argumentava e encontrava malefícios para o pastel. A minha amiga fazia o contrário.
Conversámos e rimos o caminho todo. A verdade é que nos estávamos a entreter tanto, que nos esquecemos de ir para algum sítio.
- Eu sei o sítio perfeito! – e sabia, só eu o conhecia, era para onde ia quando estava sozinha, lá era feliz. – Vais adorar! Vamos rápido antes que anoiteça. É mais bonito à luz do Sol, principalmente agora.
E caminhamos com maior rapidez até que chegámos ao local. Era o terreno de uma antiga fábrica de whisky. Servira durante bastante tempo como alojamento de toxicodependentes, mas desde que demoliram o edifício este fora abandonado. Ainda se consegue ver as marcas das divisões no chão marcadas a cimento. Na parte que ligava aquela rua desabitada ao terreno ainda existia o gradeamento num certo estilo gótico e o portão era grande, típico desse estilo, continha desenhos intrincados de eras e acabava no alto, tal como o resto do gradeamento em bico. Uma parte do gradeamento tinha enferrujado e fora aí que os drogados abriram caminho para dentro do terreno. Era grande. A Sul encontrava-se uma parede enorme que separava aquele sítio a outro, a Oeste era o gradeamento, a Este uma maravilha da natureza. Uma espécie de floresta com bétulas gigantes rodeadas por eras lindíssimas com flores roxas e arbustos gigantes, ninguém se tinha dado ao trabalho de cortar aquilo e ainda bem. A Norte podia ver-se mais próximo a estação de comboios e mais ao longe o rio que separa a minha cidade da outra. Era tudo tão belo e aparentemente “meu”.
Indiquei caminho a Ava para um sítio entre Este e Norte que apanhava as duas paisagens. Era o meu sítio preferido.
Consegui ver a surpresa no rosto dela. Vi como se emocionava e se interrogava porque nunca tinha ido ali. Eu conhecia-a.
Sentamo-nos e ela tirou as sandes e os sumos de dentro do saco e começámos a comer. Era delicioso, sabor que nunca tinha provado. Era brilhante. Guinchei do nada.
- Ahah, parece que hoje estamos a mostrar coisas importantes uma á outra. – E Ava tinha razão tinha-lhe mostrado o “meu sítio” e ela o “seu sítio”- Sabes!? Adoro estar contigo!
Eu também adorava estar com ela, porque foi assim que naquele momento esqueci tudo e todos os meus problemas, esqueci o Mickael, Thomas e a rapariga nova e eu sabia que ela também tinha esquecido o seu misterioso problema.
Mas porque é que ela estaria assim à beira do professor?
Oh é claro! Como pude ser tão burra? Eu sabia porque é que ela estava assim! Fez-se luz!
Ava surpreendeu-me ao perguntar:
-Está tudo bem? ‘Tás muito pensativa.
Eu soltei um riso e disse.
- É ele, não é?
Ava não respondeu e igualmente a mim soltou uma risada e deitou-se para trás de modo a ver o céu que agora se encontrava coberto de estrelas. Eu repeti o gesto e fiquei a observar as constelações que naquele momento e naquele sítio, pareciam mais brilhantes.

[Ava Prescott]
Quem me dera que este momento nunca acabasse.    


(Capítulo completa e totalmente escrito por Retarded. Eu apenas o publiquei, shim? :3)