Love, Drugs & Rock n' Roll - Capítulo I

[Michael MacMillan]

Desci as escadas sem pressas. Se bem conhecia os meus pais, eles pouco se importavam com o facto de os seus filhos os acompanharem ou não às refeições.
Quando cheguei à cozinha, já eles estavam a "tomar o pequeno-almoço" - a minha mãe a falar ao telemóvel, num tom autoritário e severo, usando as suas palavras mais caras e poderosas que usava apenas para demonstrar a sua superioridade relativamente ao resto dos trabalhadores da sua empresa. O meu pai trabalhava silenciosamente, corrigindo uns quantos trabalhos de alguns dos seus alunos, sem realmente se importar com o facto de a informação lá presente estar correcta ou não. A minha irmã era a única que de facto comia, enquanto olhava do meu pai para a minha mãe, por detrás dos óculos de sol que usava tanto dentro como fora de casa.
Acenei-lhe, mas ela estava mais entretida a ouvir as palavras da minha mãe. Jane sempre tivera uma grande admiração pela minha mãe, ainda que o tentasse esconder por detrás do aspecto rebelde que tinha e da sua maneira despreocupada de agir. Faltava às aulas, dava-se com más companhias e eu até já a tinha apanhado a beber bebidas alcoólicas num dos locais mais escondidos do colégio, com as suas amigas que se acham muito grandes, mesmo tendo apenas doze anos. Creio que ela o fazia para chamar a atenção dos meus pais, e não a censurava por isso. Eles preocupavam-se tão pouco connosco que nem mesmo quando Jane fora expulsa da escola pública em que andávamos anteriormente fizeram caso. Cagavam-se para nós, completamente.
Eu já desistira de tentar que eles nos prestassem a atenção e agissem realmente como os pais que eram. Todos nós temos um ponto de ruptura e eu já tinha atingido o meu. Limitava-me a viver por mim mesmo e a tentar ajudar a minha irmã, quando ela a aceitava.
Olhei para a mesa, constatando com desagrado que o pequeno almoço eram torradas encharcadas em manteiga. Outra vez.
Aproximei-me do meu pai e toquei-lhe no ombro. Ele ergueu o olhar para mim.
- Dá-me dinheiro para comer na escola? - pedi.
Ele assentiu com a cabeça e retirou do bolso duas notas de dez. Como se eu precisasse de vinte euros para tomar o pequeno-almoço.
- Obrigado. - coloquei as notas no bolso do meu blusão negro e dei-lhe duas palmadinhas no ombro. - Tenha um bom dia, pai.
- Obrigado, igualmente. - respondeu ele com demasiada formalidade, voltando o seu olhar de novo para um conjunto de folhas cheias de letras com cores berrantes. A minha experiência como filho de um professor, indicava-me que um trabalho assim tão colorido e cheio de fonts que não fossem Arial ou Georgia só podia ser de uma rapariga, ou de um rapaz muito aberto ao seu lado feminino. Olhei para uma das folhas, cheia de imagens e títulos grandes a Comic Sans (uma fonte também já muito batida), e pude verificar que tinha razão. Uma "Susan" qualquer estivera interessada e bastante empenhada em fazer um trabalho sobre os Maias. Ou seriam os Incas?
Saí de casa, sem me despedir de ninguém.
 Coloquei os meus óculos escuros Ray Ban, ainda que não fosse um dos dias mais solarengos. A vantagem de se ter pais ausentes é a liberdade com que ficamos, sem que ninguém a tire ou a limite. Podia usar o que quisesse, podia ouvir toda a música que bem entendesse, desde que não me intrometesse na vida profissional dos meus pais que, aparentemente, eram a única vida que tinham. E, para ser franco, o facto de a minha família ser rica, suportava toda a minha liberdade - tinha todas as roupas que desejava, não sentia necessidade de piratear DVD's ou CD's e podia financiar as viagens que bem me apetecesse só com a minha "mesada". Não tinha dependência alguma dos meus pais para pagar os meus pequenos caprichos.
Pus os phones nos ouvidos e liguei o meu iPod, enquanto andava em direcção ao Colégio Privado de Lillegard. O meu estômago roncava e implorava por comida. Limitei-me a aumentar o volume da música, numa tentativa de me distrair.
Rapidamente cheguei a um café, mesmo em frente à minha escola. Chamava-se "O Estudante". Sempre me espantei com a originalidade das pessoas de Lillegard. Havia um cabeleireiro chamado "Repas e Franjas", e o espaço de Bowling chamava-se "Derruba-os!".
Entrei no café, já cheio de estudantes que aproveitavam os últimos minutos que tinham antes das aulas iniciarem para matar o bichinho. Fiz sinal à empregada por detrás do balcão que me sorriu, enquanto eu me sentava numa das mesas. Não tive de esperar muito para que a empregada me trouxesse aquilo que normalmente lá comia, sem que eu tivesse sequer de articular um pedido. Sorri-lhe e entreguei-lhe uma das notas, fazendo sinal para que ficasse com o troco. Ela sorriu-me de volta e voltou de novo para o local de atendimento.
Peguei no saco de papel que continha o meu pão de leite misto, bem como na lata de coca-cola e fui para o colégio.
Sentei-me num banco de madeira perto da mesma, à espera que alguém de interesse aparecesse, enquanto eu comia o pequeno-almoço. Vi entre muitos alunos a minha irmã, que comentava as suas calças rasgadas com uma colega dela, mas não lhe falei.
- A comer fora de casa. Estou a ver.
Sobressaltei-me quando uma voz feminina surgiu por detrás de mim. Olhei para ela e sorri.
- Sabias que fumar mata? - perguntei, apontando para o cigarro que ele segurava entre os dedos. Ela sorriu sarcasticamente, enquanto punha atrás das orelhas o cabelo escuro que teimava em cair para o seu rosto pálido.
- Ainda não morri, pois não, Mikey? - perguntou, usando a alcunha que mais odiava apenas para me picar. - Queres um?
Revirei os olhos e recostei-me no banco, como se estivesse em casa. Fiquei em silêncio, a observá-la enquanto fumava. De vez em quando tossicava, incapaz de aguentar aquele fumo durante muito tempo.
- Vá, despacha lá isso Mia! - exclamei, tossindo mais uma vez. - Temos aulas, caso te tenhas esquecido.
Ela fez uma careta e deu uma baforada. Em seguida atirou o cigarro ao chão e pisou-o com a sua bota negra. Levantei-me e comecei a andar rapidamente para dentro do recinto escolar, sendo seguido por Mia, que se via obrigada a acelerar o passo para me acompanhar.
Mia foi a primeira pessoa com quem me comecei a dar quando entrei no colégio. Era um pouco mais doida que eu, mas era divertida apesar de tudo. Os seus pais não ganhavam o suficiente para pagar a mensalidade naquele estabelecimento de ensino; ela só lá estava por causa do seu talento para as artes. A escola onde estava anteriormente achava que ela tinha um dom que não merecia ser desperdiçado num local onde nem sequer ateliers decentes tinha, pelo que falaram com a directoria do colégio e, puxando uns quantos cordelinhos, conseguiram colocá-la lá gratuitamente. Tudo o que ela tinha de fazer era apresentar um quadro a cada dois meses, como prova de que o seu dom estava realmente a ser trabalhado. E, julgo eu, para que a directora tenha uns novos quadros para pendurar na parede da sua grande vivenda.
A directora da minha escola tinha um pouco má fama entre os alunos. Julgo que os mesmo rumores já tinham também chegado aos ouvidos dos encarregados de educação, uma vez que a quantidade de alunos tinha sofrido um pequeno decréscimo desde o ano anterior. Desde o primeiro dia em que lá estava que ouvia dizer que a directora Pimkee retirava dinheiro das mensalidades dos alunos e que cedia a subornos por parte dos encarregados de educação, benefeciando assim alguns alunos e prejudicando outros. Ah, e claro, o típico rumor de que a directora estava metida com o professor de educação física. Não estava certo em relação aos dois primeiros, mas já a tinha visto descer o decote directamente para o professor. E isso não fora nada de muito agradável.
- Hey, meu, espera aí!
A voz de Thomas fez com que eu estacasse no lugar. Mia imitou-me e entrelaçou o seu braço no meu, como costume. Thomas corria até nós, com o seu cabelo castanho despenteado. Parou à nossa frente, e dobrou-se sobre si mesmo, apoiando as mãos nos joelhos, tentando recuperar a respiração. Ergueu os seus olhos castanhos para mim e Mia e deu uma pequena gargalhada.
- Adivinha? - dirigiu-se mais a mim que propriamente a Mia.
- O quê?
- Há uma gaja nova na nossa turma, man.
Vi Mia a revirar os olhos e abafei uma gargalhada. Era mesmo típico dele, apreciar qualquer indivíduo do sexo feminino. Thomas era o rapaz com quem costumava sair à noite. Isto porque apreciava o facto de ele entrar num bar e se dirigir logo a uma rapariga qualquer, deixando-me a vontade com os meus próprios problemas. Isto porque quando eu queria sair à noite, normalmente era para esquecer algo. À noite, preferia ficar fechado em casa a ver televisão ou a ouvir música, enquanto mandava sms's a Mia, cujos planos à noite eram sempre semelhantes aos meus.
Thomas era exactamente o oposto e talvez fosse por isso que eu e ele nos dávamos tão bem. Ele não conseguia acalmar as suas hormonas adolescentes e tinha de estar sempre fora de casa, se não entrava em desespero. Baldava-se constantemente às aulas da manhã, por estar a recuperar da noite anterior, independentemente do que tivesse acontecido.
Era também o gajo mais sádico que alguma vez conhecera. Gostava de fazer troça de todos os seres vertebrados, e o seu alvo favorito eram os caloiros. Os caloiros e Mia.
Havia um certo choque entre Mia e Thomas. Mia era pacífica, apesar de louca. Thomas era louco e idiota, segundo as palavras dela. Ela achava que ele era demasiado imaturo para a idade dele e que não tinha vida própria. Achava que a infância dele devia ter sido realmente má, para ele se ter tornado um ser tão deformado mentalmente. Mia era respeitosa, e Thomas não o era. Mia era sonhadora, e o Thomas arruinava sonhos.
- E qual é o espanto de haver uma rapariga nova? - perguntou Mia. - Queres que liguemos o cronómetro para ver quanto tempo demoras a tentar conquistá-la?
Thomas riu-se e cuspiu para a frente de Mia, que recuou no momento certo.
- Olha lá, oh meia-leca... Quem te disse a ti que esta não era uma conversa privada? - perguntou ele. - É que apesar de conseguires ter entrado numa escola privada, apesar de seres uma pobretanas, não faz com que possas saber das minhas conversas privadas.
Mia olhou para o chão e cerrou o maxilar. Dei-lhe uma festa nas costas, tentando acalmá-la silenciosamente.
- Não sejas idiota. - disse-lhe. - Mas sim... O que interessa ela?
Ele sorriu.
- Quando a vires, vais perceber.