Love, Drugs & Rock n' Roll - Capítulo XII

"Comecei a acelerar o meu passo, queria apanhar a Mia, não aguentava tudo o que tinha na cabeça, parecia que ia explodir de pensar em tanta merda.- Mia?! - Disse tentando controlar o meu tom de voz.
- Michael?..- Com um olhar de surpresa no rosto, enquanto segurava o cigarro numa mão.
- Precisamos de falar!"
(capítulo X, Shortcake)
[Mia Roosevelt]
O meu sono, e, consequentemente, o meu sonho, foi interrompido pelo som da campainha de minha casa a tocar freneticamente. Sentei-me de imediato na minha cama, o meu ritmo cardíaco já acelerado graças ao susto, indecisa entre ficar irritada por me terem acordado cedo ou ficar secretamente aborrecida por me terem acordado quando estava prestes a ter uma conversa com um Michael ruído de ciúmes, mesmo que o falatório estivesse prestes a ocorrer num mero sonho. Permiti-me divagar sobre o mesmo. Fora tão real, tão tangível. Parecia um final alternativo para o dia anterior, um final que encaixava melhor na minha história que o fim real. Se me tivessem, semanas antes, pedido um palpite sobre aquele dia confuso, e como terminaria o mesmo, provavelmente diria que Michael se sentaria a meu lado e me perguntaria o que raio se passava entre mim e Thomas, no mínimo. Nunca diria que ele sairia da escola com Amy, sem trocar mais meia palavra comigo ou com Thomas, tal como ele tinha feito na realidade.
Cerrei os olhos, enquanto soltava um longo suspiro, e revirei-me na cama, procurando adormecer, numa tentativa frustrada de eliminar os acontecimentos da véspera. Doía-me a barriga, como se pequenos insectos se tivessem instalado no interior do meu estômago e estivessem a roer-me as paredes de carne que os separavam do mundo exterior. Sentia dificuldade em respirar, como se um peso me tivesse sido colocado sobre o peito, de modo a que os meus pulmões conseguissem um volume de oxigénio aquém do necessário para sobreviver. Mesmo de olhos cerrados, o mundo em meu redor parecia girar a uma velocidade alucinante enquanto eu, em pânico, procurava algo a que me agarrar.
Conhecia demasiado bem aquelas sensações. Nervosismo, culpa, confusão. Era irónico, não era, que eu quisesse parar com aquilo, uma vez que fora eu quem, no fim de contas, encomendara aquilo tudo? Fazer um pacto daquele género com o Thomas... O que raio tinha eu na cabeça?
Nunca faças uma decisão permanente para um estado temporário, dissera o meu pai, uns tempos antes. Porque raio não me tinha eu lembrado do seu conselho dentro da enfermaria? Porque raio deixara eu que o demónio da inveja e do ciúme tomasse o meu corpo, porque raio é que eu deixara de ser racional no único momento em que não convinha?
Merda.
A campainha tocou, novamente. Fiquei em silêncio, à espera de ouvir algum dos meus pais a movimentar-se pela casa, ou que quem quer que estivesse por detrás da porta da entrada desistisse e se fosse embora. Nem um, nem outro. Passados mais uns segundos, a pessoa desistiu da campainha e começou a bater com o punho na madeira. Bufei.
- Já vai! - gritei, abrindo os olhos. Levantei-me e desci as escadas que separavam a minha cama do resto do meu quarto.
Morava num apartamento modesto, um T1 que conseguíramos, com alguma criatividade, tornar num T2. O quarto propriamente dito era ocupado pelos meus pais. O meu espaço pessoal fora, anos antes, uma simples dispensa, antes, é claro, de umas obras nas quais os meus conseguiram aplicar uma espécie de teto falso entre o teto verdadeiro e o chão. Sobre essa mesma estrutura foi colocado o meu colchão, que era tudo quanto cabia naquele local. Por baixo, foram colocadas prateleiras e armários, onde guardava tudo quanto queria. Sendo que eu era, claramente, uma pessoa artística, é lógico que me esforçara para manter o meu cantinho da casa minimamente decorado. Luzes azuis decoravam, portanto, o pedaço de parede que rodeava a minha cama. Na parte de baixo, dezenas de posters, imagens, fotografias e mesmo desenhos da minha autoria recheavam as paredes e as portas dos armários.[Nota da BD: como sou terrível com as descrições, ponho-vos aqui a imagem de onde retirei a ideia para o quarto da Mia]
Era um espaço peculiar, sem dúvida, mas era o meu espaço, o meu paraíso, o meu refúgio. No entanto, naquele preciso momento, nem mesmo ali eu me conseguia sentir bem.
Abri a porta devagar. Thomas encontrava-se ali, e olhou-me com indiferença.
- Se eu fosse a ti, tentava disfarçar essas olheiras com uma daquelas merdas que vocês, raparigas, usam para impedir que a vossa pele respire. - disse-me.
Revirei os olhos, não lhe respondi e fechei a porta.
- Vou vestir-me. - gritei-lhe. Ouvi-o resmungar do lado de fora, mas não lhe fiz caso.
Praguejei bastante enquanto me apressava mas, no fim, acabei por me conformar - aquilo seguir-me-ia para sempre.

[Jane MacMillan]
- Muito bem meninos. - disse a professora Bennet, com a sua voz tipicamente nervosa e esganiçada. Apesar de estar numa das últimas mesas, conseguia vê-la tremelicar como se estivesse de biquíni no meio do de um glaciar congelado. - Eu sei que estive fora todo este tempo, por motivos que não irei divulgar, mas agora é hora de começarmos a trabalhar.
As minhas gargalhadas sarcásticas ecoaram por toda a sala de aula, fazendo girar cabeças na minha direcção e a professora Bennet encolher-se ligeiramente. Apesar desta última não revelar os motivos que a tinham levado a ausentar-se, eles eram do conhecimento geral. Aliás, mesmo quem já não tivesse ouvido os rumores que haviam corrido a escola como uma virose, conseguiria descobrir muito facilmente a situação pela qual ela tinha passado.A professora, segundo diziam os rumores, tinha estado internada num hospital psiquiátrico. Os seus nervos excessivos - que, aparentemente, não tinham ainda desaparecido - provocados pelas suas turmas tinham-na levado a um ponto... bem, crítico.
Ah, apenas para que fique claro: a única turma da qual ela estava encarregue era a minha. Achei que este facto merecia ser partilhado.
Enfim, como estava a dizer, a nossa professora de área de projeto (uma disciplina ainda obrigatória no nosso colégio) tinha sido internada no hospital psiquiátrico em Drownstone (a cerca de cinco horas de Lillegaard) duas semanas antes de o ano letivo anterior ter terminado. Por isso, façam as contas - essas duas semanas, mais os meses que constituem as férias de verão, mais o tempo que se tinha passado desde o início deste ano letivo. Fora esse o tempo tinha sido levado pela professora até esta ficar curada do cancro chamado "8ºB"...  Se me sentia culpada? Não de todo. A professora sempre fora clinicamente nervosa e estava claramente inapta para dar aulas.
- O que tem tanta piada, senhorita MacMillan? - perguntou ela, sentando-se desajeitadamente na cadeira. Reparei que os seus olhos emoldurados por olheiras profundas evitavam os meus.
Um sorriso retorcido aflorou-me os lábios pintados de azul.
- Nada, senhora professora. - retorqui, recostando-me na cadeira e colocando os pés em cima da mesa. A professora abriu a boca para me repreender, mas calou-se de imediato. - Não deveríamos constituir grupos e... sei lá, definir um tema, antes de começarmos a trabalhar?
- Oh, sim, claro. Tem toda a razão, menina. - ela abriu o livro de ponto e começou a escrevinhar no quadro.
- Tira os pés da mesa.
Surpreendi-me com aquela frase e olhei em redor, tentando descobrir quem falara. A Dianne olhava para mim, com um ar repreensivo e com uma ponta de superioridade. No entanto, ao fim de uns segundos a olhá-la diretamente nos olhos, ela pareceu amedrontar-se e voltou-se para a frente.
Vou contar-vos sobre a Dianne. Dianne era a filha que todos os pais sonhavam ter. Delegada de turma, com 5's a tudo, demasiado organizada e demasiado racional. Espirrava e suava informação. E, como é lógico, o cachorrinho da maioria dos professores. Não que eu tenha algum problema com este tipo de pessoas. Mas Dianne, para além de ser uma croma do caraças, era uma pessoa horrível. Pretensiosa, arrogante, convencida. Achava que o facto de ter um lugar cativo no quadro de honra fazia de si um ser superior. Achava que o facto de só se dar com rapazes mais velhos - como quem diz; ela impunha a sua presença junto destes - lhe dava um certo estatuto. E, como podem calcular, não gostava muito de mim também. Mas isso pouco me importava, para ser honesta.
Voltei a minha atenção novamente para o quadro e franzi a testa face ao grupo em que a professora me tinha colocado. Tinha sido colocada com Dianne e as suas duas capangas. Pude ver pelo canto do olho que elas pareciam algo entre o ofendidas, escandalizadas e, verifiquei com uma certa satisfação, assustadas.
- Agora, sentem-se em grupo e escolham um tema a tratar durante o resto do ano.

[Sid Hawthorne]
Saí do meu carro modesto e dirigi-me até à escola. Fui cumprimentado por vários alunos no caminho, como costume. Isso deixava-me bem disposto. Ser-se professor não é um trabalho recompensador se estivermos na profissão apenas pelo dinheiro - até porque o salário, ao contrário do que se pensa, nem é assim tão bom. A meu ver, o melhor de se ser professor era ver a felicidade dos alunos e saber que os estamos a ajudar a sua formação enquanto pessoas. E, melhor que isso, era saber que eles também me prezavam. Fazia-me sentir... amado.
Sou uma pessoa que passa a maior parte do tempo sozinho. A minha família resume-se à minha mãe, que mora no outro lado do país; a grande maioria dos meus colegas não sente que o meu método de ensino é o mais adequado para um colégio de tamanho requinte; não tenho muito tempo livre e, aquele que possuo, é gasto no "Carter's Way", sendo por isso que, para além da minha mãe, as pessoas da minha banda eram as únicas com quem poderia de facto contar. E depois, claro, haviam os meus alunos; e, mesmo assim, sentia que eram poucos, ou mesmo nenhuns, aqueles que me conheciam verdadeiramente.
- Bom dia Ava. - disse, quando vi uma rapariga um tanto quanto baixa, de cabelos loiros passar por mim. Apesar de não lhe ter visto o rosto, reconheci a sua maneira de andar. Qualquer um reconheceria: as suas costas completamente direitas, o queixo levemente erguido, o movimento fluído dos seus braços elegantes, quase como se estivesse numa eterna dança.
Ela girou sobre si própria e sorriu largamente.
- Bom dia stôr. - respondeu ela.
- Nã, nã. - retorqui, abanando a cabeça. - Não estamos ainda na escola. O que te disse eu ontem no bar?
Ela soltou umas gargalhadas.
- Peço desculpa, Sid. - corrigiu-se. - Mas estamos a poucos metros do colégio, por isso tenho desculpa.
Sorri-lhe.
- Agora tens, mas se me chamas professor fora da escola mais uma vez não te perdoo.
- Não se preocupe, Sid. Ah, a propósito... Gostei imenso do concerto.
- Ainda bem. Ah, e já agora, se me vais tratar por você, não adianta chamares-me Sid. Trata-me por tu.
Ela assentiu com a cabeça, meio embaraçada.
-Isso vai ser um pouco difícil. - admitiu ela. - Mas vou tentar habituar-me. E bem, eu tenho de ir, se não ainda chego atrasada. Mais uma vez, parabéns pelo concerto.
E dito isto, continuou o seu caminho. Sorri. Aquela miúda era um doce. Uma das melhores alunas e, muito provavelmente, das melhores pessoas que eu conhecia.

[Jane MacMillan]
- E então, já chegaram a algum consenso sobre o tema? - perguntou a professora, aproximando-se do nosso grupo. Eu estava calada desde que fora obrigada a sentar-me perto daquelas peruas e tinha sofrido até àquele momento enquanto as ouvia discutir temas completamente idiotas.
- Não. - respondi efusivamente. - Porque estas cabeças de alho chocho não sabem o que é um tema decente.
- Menina MacMillan, não seja assim para com as suas colegas. - repreendeu-me. - Tem de aprender a aceitar as ideias dos outros. Senhorita Diaz, qual era o tema que proporia?
Dianne ajeitou os cabelos, endiritou a sua postura na cadeira e começou a falar como um concorrente numa campanha eleitoral.
- Bem, a minha proposta, que é suportada pelas minhas colegas, excetuando aqui a Jane, é que façamos algo sobre cavalos.
- Mas que porra?! - explodi. Novamente, senti os olhares da turma em peso a examinarem. Ignorei-os e dirigi-me à professora. - Setôra Bennet, está a ver? Como é que alguém pode pensar num tema como cavalos? O que tem isso a ver connosco?
- Bem, - explicou Dianne. - todos sabemos que o animal da cidade é o cavalo. Acho que era uma boa oportunidade para que este grupo ficasse a conhecer não só o animal como também um pouco da sua própria história e herança. Não lhe parece uma excelente ideia, senhora Bennet?
- Mas como raio conseguíriamos desenvolver o tema? - questionei, calando a professora nervosa que abrira a boca. - Que produto final conseguiríamos? Nada, absolutamente nada. No máximo, faríamos um trabalho em papel sobre cavalos e uma apresentação em powerpoint. O que tem isso de inovador?
O silêncio imperou pela sala durante uns segundos. Em seguida, a professora suspirou.
-  A senhorita MacMillan tem uma certa razão meninas. Já estão no terceiro ciclo, deveriam fazer algo mais. Ainda por cima, um grupo bom como este.
Dianne e as suas capangas pensaram durante uns momentos, antes de começarem a discutir entre si sob a forma de murmúrios. Revirei os olhos e suspirei, já à espera de algo completamente idiota.
- Que tal sobre o azul? - sugeriu Olivia. - É a cor oficial da nossa escola, e tem um sentido bastante amplo.
- Deus devia estar na casa-de-banho quando vos criou, só pode! - comentei. - Mais uma vez, o que raio podes fazer com esse tema? Pintar a tua cara de azul e fazeres com que passem o filme dos Smurfs aqui no colégio? Que estupidez.
- Mais uma vez, a menina MacMillan tem razão, apesar de os seus comentários não serem muito construtivos.
Dianne fulminou-me com o olhar. Fiz-lhe uma careta e ela revirou os olhos, como se dissesse "olhem para mim, sou tão matura que acho as provocações da Jane algo completa e totalmente infantil, apesar de ainda ontem eu ter brincado com a minha Nancy". As suas amigas imitaram-lhe o gesto, em simultâneo, como se tivessem passado horas em frente a um espelho ensaiando aquela cena.
- E que tal se ela sugerisse um tema, em vez de nos estar apenas a criticar? - disse ela, venenosa.
- Muito bem. - respondi-lhe, prontamente, ainda que não fizesse a mínima ideia do que sugerir. Olhei para a professora. - Hum... Que tal... Malucos?
A professora arregalou os olhos e Dianne, Ebony e Olivia começaram novamente num mar de murmúrios.
- Que coisa tão despropositada! - exclamou Dianne. - Para além de ser algo completamente estúpido, vou fazer a tua pergunta: "como poderíamos desenvolver isso"?
- Não fiz entender. - disfarcei, apesar de ter dito uma coisa completamente aleatória. De repente, uma ideia começou a formar-se e, modéstia à parte, tinha a sua quota parte de genialidade - Estava a falar de pessoas clinicamente doidas. Pessoas que vivem no manicómio, entendem? Acho que era uma boa oportunidade para que a maioria da pessoas percebessem que esses estados provêm de doenças. E podíamos envolver-nos com o hospício mais próximo. Isto é, duvido que eles tenham muitos visitantes. Porque não fazemos como aqueles jovens que se voluntariam para entreter pessoas nos lares de idade só que... bem, em manicómios?
- Estás parva? - questionou Olivia. - Ainda nos matam lá dentro ou assim.
- Estás a ver? Isso são estereótipos formados à volta de pessoas... maluquinhas, digamos. Quem te diz que eles não são completamente inofensivos? Já alguma vez conheceste algum?
O silêncio instalou-se durante uns momentos. A professora Bennet mordia o lábio, as suas mãos estremeciam com mais intensidade.
- Parece-me um bom tema. Tratem de ter um bom trabalho.
E dito isto, seguiu para o próximo grupo. Eu sorri, vitoriosa, enquanto as três "princesas" me olhavam espantadas.

1 facetas:

Lara disse...

Quando é que voltam a escrever? :3